- Ai...
- O que é que você tem, Tiago?
Quem falou ai fui eu. Quem me perguntou o que é que eu tinha foi o Renato, que
fica sentado do meu lado e pode vigiar tudo o que eu faço. Ele deve ter pensado
que alguma coisa estava doendo. Mas esse ai
não era de dor.
Então suspirei de novo, mas
agora sem falar nada. Esse suspiro saiu como um sopro, que balançou as folhas
do meu caderno. E pra dentro, baixinho, pra ninguém escutar, eu gemi: Ai, Adriana...
É que ela levantou pra ir ao
quadro. Logo hoje, que ela soltou o cabelo comprido daquele rabo-de-cavalo que
ela costuma usar e me dá tanta implicância. O cabelo dela é tão lindo...Parece
de seda e tem um brilho que eu ia dizer que parece o sol. Mas a Adriana tem
cabelos pretos e sol moreno fica meio esquisito...
7 X 5 = 45...O Renato começou a
rir e cochichou comigo:
- Essa menina é meio lelé.
Eu não ri e nem falei nada. Mas
uma coisa, lá dentro da minha cabeça me disse que 7X5= 35. Como foi a Adriana
que tinha escrito no quadro, eu não percebi o erro. Aquele 4 que ela desenhou
tão certinho no lugar do 3 era tão bonito! Até os números da Adriana são
lindos!
- Tá errado, tia! Tá errado! –
gritou, toda esganiçada, a Carina.
A tia então mandou a Adriana
sentar. A Carina correu e meteu o apagador em cima daqueles números tão bem
desenhados, corrigindo com um 35 tão sem graça quanto sua voz.
A Adriana voltou pro lugar e eu
nem pude ver se ela estava com a cara muito vermelha, porque o cabelo solto
agora tapava tudo. Ela ficou com cabeça abaixada um tempão. Eu senti que ela
estava triste e fiquei muito triste também. Aí, arranquei a beiradinha da
última página do meu caderno e escrevi:
Dobrei meu bilhete. Prestei
atenção à tia. Ela ficou de costas pra passar outra conta no quadro. Fiz bem
depressa uma bolinha com o bilhete dobrado, mirei e joguei. Ela caiu no colo de
Adriana.
Meu coração bateu depressa.
Acho que eu é que fiquei vermelho... Ai,
ai, ai, meu coração martelando tantos ais
no peito. Tudo em silêncio pro Renato não perceber. Que bom que nem ele nem
a Carina viram eu jogar a bolinha!
A Adriana custou a pegar o
bilhete. Pôs a na frente dela e foi desamassando bem devagar. Ela leu, depois
guardou dentro do estojo. Nem olhou pro meu lado.
De repente, me lembrei de uma
coisa terrível: não tinha posto meu nome no papel. E se ela achasse que era
outro menino que gostava dela? E se ela também gostasse de outro menino e, por
causa do bilhete sem nome, fosse falar com ele no recreio?
Então,
a tia me chamou. Eu só pensava naquela confusão, imaginando a Adriana
apaixonada pelo Renato e os dois indo embora, de mãos dadas, no fim da aula.
-
Tá errado! Tá errado! Deixa eu fazer, tia?
Eu
olhei para o quadro e entendi por que é que a Carina estava gritando outra vez:
8x6=36... Ia apagar pra refazer, mas a tia me mandou sentar.
Fui,
morrendo de sem graça. O Renato me gozando só com o jeito de olhar pra mim.
Cheguei
na minha carteira e vi uma bolinha de papel bem em cima do meu caderno.
Quando
ninguém estava mais me olhando, eu disfarcei e abri:
Lino de Albergaria
Coração conta diferente
Editora Scipione, São Paulo
PS: Esse era um dos textos que eu mais adorava ler no ano 2000. Eu
estava na terceira série e tinha uma amiga chamada Carol, que era muito
parecida com a personagem Adriana. Uma vez, eu falei isso pra ela, mas ela nem tchum.
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